Gabi,
Faz um bom tempo que estou lendo bem aos pouquinhos o Romance Luminoso, do Mario Levrero. De vez em quando eu pego o livro, me empolgo, leio uma dezena de páginas e paro para ler outra coisa. Demoro meses para voltar à leitura, me empolgo com mais umas tantas páginas e paro novamente. Nesse ritmo, o Romance virou um livro que estou sempre lendo, mas ainda não estou nem perto de terminar.
Na sua última carta, você disse que poderia ter ficado presa no ciclo infinito de equipamentos a serem comprados antes de começar o canal no youtube, e isso me lembrou do Levrero narrando a obsessão pela caneta perfeita para escrever. Quantos dias perdidos tentando achar a caneta ideal, para, então, entrar na obsessão de criar programas no Visual Basic que organizassem as páginas do diário que ele estava escrevendo. Obrigada, sua carta contribuiu para que eu levasse o Levrero para minha cabeceira e decidisse que agora vou terminar de vez esse livro.
Há quinze dias, quando li sua carta, te mandei vários áudios comentando sobre seu vídeo y otras cositas más. Dentre elas, reclamei que você tinha quebrado minhas pernas, pois sua carta encerrava o assunto youtube e não trazia gancho para um tema novo. Sua resposta foi que confiava que nessas duas semanas eu encontraria uma nova obsessão e poderia escrever sobre ela. Quase vinte anos de amizade te permitem cravar (com uma margem alta de acerto) coisas sobre mim, o que você não contava é que minha mente anda mais elétrica do que um filhotinho que comeu em uma única refeição três vezes seu peso corporal em ração hipercalórica. Não consegui parar quieta esses dias. Simples assim. E o pouco de concentração que encontrei foi dedicada ao trabalho. Por isso, vou te entregar uma pequena lista de obsessões que passaram por aqui nos últimos dias e minha justificativa para não escrever sobre:
Costura. Era para eu ter terminado uma saia na semana retrasada, mas um erro na modelagem atrasou tudo. Não estou com vontade de escrever sobre isso (ainda, mas há planos).
A blusa que estou bordando quando consigo parar quieta (momentos raros). Mas bordado foi tema de uma carta recente, então vamos aguardar mais um pouco.
Pedro Pascal. Dispensa explicações.
Wagner Moura e Kleber Mendonça Filho em Cannes. Também dispensa comentários.
Susan Sontang. Assunto sério demais para uma pessoa que disse que sua meta de 2025 era “mente de um buda, corpo de uma stripper” escrever neste momento.
Voltar ou não a ser ruiva. Creio que não é um bom tema para uma carta, é mais questão de calcular na ponta do lápis o gasto de tempo e dinheiro.
Como terminar com minha instrutora de pilates. Aceito sugestões.
Minha última esperança de destravar a escrita desta carta era nossa noite do desenho. Achei que chegaria em casa inspirada e que te brindaria com uma bela missiva sobre encontros e amizades. Mas a verdade, minha amiga, é que cheguei muito feliz e eufórica, tomei até um chazinho de camomila antes de ir para a cama para ver se eu desacelerava, mas acabei a noite dançando sozinha a uma da manhã. O lado bom é que eu ando muito feliz, o lado ruim é que você vai ter que puxar um assunto na sua carta. Passo a vez.
Beijos,
Ana
Quem assina este texto é Ana Paula Girardi, editora de material didático, tradutora do espanhol e, às terças-feiras, também escritora.
Este texto faz parte da newsletter Cartas na Amoreira, um exercício semanal de escrita e de amizade publicado por Ana Paula e Gabriela. Para saber mais sobre as autoras e as cartas, clique aqui. Para assinar gratuitamente, clique no botão.
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