Gabi,
Em 2020, em um daqueles dias angustiantes e amedrontadores do isolamento, eu fiz uma oficina on-line que tinha como proposta unir o bordado com a meditação. O exercício era fazer um desenho livre no tecido, uma composição com formas orgânicas, não figurativas, que serviria como caminho para o bordado, e, então, escolher poucas cores e bordar coordenando o entrar e sair da agulha no tecido com o inspirar e expirar da respiração. Além disso, no começo da oficina, durante uma conversa e alguns exercícios de meditação, cada um pensou em uma frase que seria uma espécie de guia para aquele momento. A frase que escrevi no meu bordado foi “a intenção é o processo”.
A recordação dessa oficina e desse bordado, que acabou abandonado no meio das minhas caixas de costura esse tempo todo, veio ao ler a sua última carta. Quando eu te propus a ideia de criar a newsletter, fiz com uma certa ansiedade. Será que você ia aceitar? A ideia era boa? Se você não gostasse, o que eu faria? Depois que te mandei um áudio dando voltas e justificativas para fazer a proposta, eu fiquei muito animada com sua resposta. Lembro que passamos o dia trocando mensagens, compartilhando ideias, imaginando cenários, fazendo lista de tarefas para colocar o projeto no ar, nos angustiando com a possibilidade de não conseguir escrever uma linha sequer e uma dando uma boa dose de incentivo e confiança para a outra.
Essas quarenta cartas foram escritas enquanto a vida acontecia. Toda semana, não importava o que estivesse passando, alternadamente, eu parava para ler uma carta sua e, depois, para te responder. Suas cartas já me fizeram rir muito, já me emocionaram, já me fizeram olhar para meus próprios passos com mais confiança, mas, principalmente, suas cartas me deram a oportunidade de me narrar.
Escrever para te responder, para contar uma lembrança, para partilhar algo que li ou assisti, me faz parar e olhar com atenção para as coisas. Eu viro e reviro a experiência, encontro novas conexões, teço novos sentidos. A matéria dos dias vai se desdobrando em novos significados nesse exercício de escrita e amizade que criamos e mantemos em pé.
Não vou tirar meu diploma da Letras do armário para escrever sobre as relações entre texto e tecer. Quero te enviar uma carta não conteudista que se contenta em não perder o fio da meada e que não dá ponto sem nó. Por isso, volto ao começo: da mesma forma que respirei e bordei pensando que “a intenção é o processo”, quando fico insegura para escrever aqui, eu repito para mim mesma que o que vale é o caminho, o processo, o exercício de troca. O resultado estamos costurando juntas pontinho a pontinho.

Beijos,
Ana
Quem assina este texto é Ana Paula Girardi, editora de material didático, tradutora do espanhol e, às terças-feiras, também escritora.
Este texto faz parte da newsletter Cartas na Amoreira, um exercício semanal de escrita e de amizade publicado por Ana Paula e Gabriela. Para saber mais sobre as autoras e as cartas, clique aqui. Para assinar gratuitamente, clique no botão.
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